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Ruy Ramos

Veja um pouco mais sobre o ídolo do futebol brasileiro no Japão
foto: Akira Ueno -
foto: Akira Ueno - "Eu sou mais japonês do que brasileiro. Morei 12 anos no Rio, 8 anos em São Paulo e agora já estou aqui há quase 25 anos.
Quando você decidiu que iria ficar definitivamente no Japão?
Decidi que ia ficar, quando me casei. Depois recebi outras propostas para sair do país, no próprio Brasil, na Malásia, Hong Kong e França, mas minha esposa é filha única e eu decidi ficar.
Me casei com Hatsume em 1984 e me naturalizei cidadão japonês em 1988. Os meus filhos Fabiano, de 16, e Fabiana, de 13, nasceram no Japão. Eles entendem bem o português, mas não falam muito. Eu acho que é importante para eles que eles aprendam línguas. Quanto mais melhor. E é claro que acho importante que eles possam se comunicar com a avó e as tias no Brasil.

A sua esposa já foi ao Brasil?
A primeira vez que Hatsume foi ao Brasil foi em 1983, quando nos tornamos noivos. Ela gostou muito. Se pudesse até morava lá. Ela gosta da comida, do ambiente, de tudo. Ela é japonesa, mas por dentro ela é diferente. Ela tem uma coisa latina.

E você pensa em voltar para lá?
Nem me passa pela cabeça voltar a morar no Brasil. Eu moro debaixo da ponte aqui, mas não moro na Barra da Tijuca. Tudo que eu tenho e tudo que eu ganhei, eu devo ao Japão. Sei que mesmo que eu me torne um mendigo, aqui eu vou ser um mendigo respeitado. No Brasil eu vou ser mais um a viver com medo, olhando para todos os lados. Por mais que a violência esteja aumentando aqui também, nada se compara com o medo que as pessoas têm no Rio de Janeiro.

Como foi que sua esposa aprendeu a falar português?
Hatsume e eu fomos noivar no Brasil. Eu estava sem voltar para lá há três anos e toda a vez que volto para lá, não paro em casa. Tenho de ver os amigos, jogar bola, pagodes, churrascos, feijoadas. Eu disse para ela que eu não ficaria servindo de intérprete para ela o tempo inteiro e que ela precisava aprender português. Ela passou três meses estudando português em uma escola em Otsuka, sem me contar e recebeu o seu diploma. Um dia, ela foi na minha casa e trouxe todos os livros. Ela me disse que no dia seguinte estaria fazendo a última prova. Eu disse prova? Prova de quê? De português, ela disse. Perguntei se ela falava português em português e ela começou a falar comigo.

Como foi o seu relacionamento com ela?
Sofri um acidente de moto, antes de casar. Fiquei internado por quatro meses e ela sempre me apoiou. Já estávamos namorando há um ano e pouco. Ela ia no hospital todos os dias. Levava uma hora e meia de trem para chegar lá e passava o dia inteiro comigo. A comida do hospital era muito ruim e ela me levava comida, dois cardápios diferentes.

Como foi esse acidente?
Quando eu quebrei a perna, fui em vários hospitais em busca de tratamento e todos os médicos me diziam que eu não voltaria a jogar. Eu fiquei uns 4 dias sem que ninguém tocasse na minha perna quebrada. Eu não queria que eles fizessem nada até que encontrei um médico da minha confiança, que me garantiu que eu poderia voltar a jogar, dependendo do meu desempenho.

Como foi a sua recuperação?
Foi difícil, mas eu me recuperei bastante rápido. Eu vi muita gente em situação pior do que a minha lá no hospital e isso fez com que eu tivesse certeza de que podia ajudar de alguma maneira. Enquanto eu estava na J League, sempre que eu tinha tempo eu ia no hospital visitar as crianças com leocemia e foi bem na época em que todos me conheciam por causa de um comercial que fiz. Eu acho que o nosso caminho já está traçado pelo destino, mas a gente pode mudá-lo, tanto para melhor quanto para pior. Depende de enxergar as chances quando elas aparecem.

Você sente o apoio e o carinho da torcida japonesa?
Com certeza. Isso sempre foi muito importante para mim. Nunca fui vaiado e já parei de jogar há 3 anos, mas sou reconhecido onde vou e sempre me sinto apoiado. Meu estilo de jogo sempre foi admirado até mesmo pelos outros times e participar da seleção também foi um grande passo. Fui um dos pioneiros e acho que dei a minha contribuição e ela foi brasileira. Passei para eles tudo que aprendi no Brasil, a começar pelo profissionalismo.
A primeira vez que eu participei da seleção, durante os Jogos Asiáticos em Pequim, fiquei assustado. Aquilo não era uma seleção e sim um bando de jogadores mercenários. Depois as coisas foram mudando.

Você pode nos contar uma conquista que foi pessoalmente importante para você?
Eu queria muito vestir a camisa da seleção japonesa com a HINOMARU, bandeira japonesa, e consegui. Ela está lá, pequenina, mas está. Kazu Miura e Hashira Tani me apoiaram.

E quanto a J League?
Agora todos falam na J League, mas eu acho que o importante foi o profissionalismo de brasileiros como eu que estavam aqui antes dela. Se não fosse por isso, a J League nem existiria.

Como foi naturalizar-se japonês?
Você não muda, mas tem de entrar no ritmo deles. Mesmo que você more aqui por cem anos, fale japonês como eles, você não vai ser como eles. Se você vai morar aqui, é casado com uma japonesa, olha ao seu redor e vê que as pessoas que ama são todas japonesas, você precisa tentar entendê-los, mesmo que eles estejam errados em alguns aspectos. Acho que o Brasil também tem muitos aspectos ruins como os atrasos. São pequenas diferenças. Por exemplo, nós falamos muito mais alto do que os japoneses.

Quais são as dificuldades que você enfrenta?
Os japoneses não gostam de ouvir críticas diretas. É preciso fazer um certo rodeio. O meu jeito é diferente. Eu sei quando estou errado, mas quando não estou, é duro de me convencer a dizer o contrário. Não pretendo mudar o meu jeito. É preciso saber levá-los. Eu ainda sofro com isso, principalmente na televisão. Não vou falar coisas que não penso para vender um programa. Eu sei que se eu mudar, eu perco a graça. O meu público me conhece. Eles gostam de mim do jeito que eu sou. Eu prefiro respeitar o povo que sempre me apoiou do que me vender para a televisão. Sei que eles iriam me olhar diferente se eu fizesse uma linha mais comercial.

Como é o seu relacionamento com os japoneses?
É difícil alcançar os japoneses, especialmente em Kyoto. Eu morei lá por um ano e é muito difícil. Eles te convidam para almoçar na casa deles e depois te olham como quem diz: não é que ele veio mesmo. Eles chamam isso de "educação". É difícil entender esses detalhes, mas agora posso dizer que tenho dois amigos lá. A gente vai aprendendo, vai mostrando quem a gente é e com o tempo eles vão te dando espaço.

O que você acha da comunidade brasileira?
Eu ia para Nagoya para me divertir e gosto muito da comunidade. O problema é que eles só ficam dizendo que os japoneses isso e que os japoneses aquilo. Nós somos minoria e não vamos mudar a cultura deles. Eu imagino o que os avós ou pais deles passaram quando foram para o Brasil. Os japoneses também sofreram quando foram para lá e hoje em dia têm orgulho de dizer que são brasileiros. Acho que devemos fazer a mesma coisa. O importante é manter a porta sempre aberta. Mesmo para quem está aqui apenas por um curto período de tempo, para juntar um dinheiro, é importante viver bem e para isso o convívio com os japoneses é importante.

Você acha que valeu a pena?
Acho que valeu a pena. Fiz uma despedida que foi emocionante. Foram 52 mil pessoas. Eu não esperava tudo aquilo. Até o momento em que eu entrei em campo eu não tinha a medor idéia do que estava acontecendo lá fora. Me disseram que não tinha ninguém, quando eu entrei no estádio eu simplesmente não acreditei. O jogo correndo e eu revi a minha carreira como um filme, principalmente nos últimos 15 minutos de jogo. Me senti muito querido ao ver toda aquela torcida para mim.

Como foi o reconhecimento brasileiro?
Depois de muito tempo é que eu fui reconhecido pela embaixada do Brasil. É bom sentir esse carinho. Fui reconhecido como Cavaleiro Rio Branco. Isso foi depois de ter sido convidado para o aniversário do imperador por dois anos.


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