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Bossa Nova invade o Japão

Texto de Rodrigo Brasil
Ryuichi Sakamoto, Jaques e Paula Morelembaum durante apresentação: japoneses apreciam a sonoridade da língua portuguesa
Ryuichi Sakamoto, Jaques e Paula Morelembaum durante apresentação: japoneses apreciam a sonoridade da língua portuguesa
Os tons melodiosos do banquinho e violão deixaram o calçadão de Ipanema e conquistaram o Japão. Música suave e com uma entonação agradável, a bossa nova caiu definitivamente no gosto dos japoneses. Nas grandes lojas de discos existem seções inteiras dedicadas à música brasileira, especialmente ao Brazilian Jazz, nome pelo qual o estilo imortalizado por Tom Jobim e João Gilberto também é conhecido. No arquipélago encontra-se o maior acervo do gênero no mundo e o mercado japonês é tão promissor que discos de artistas como João Donato e Joyce são lançados com exclusividade no país.
Há anos sem fazer shows em sua terra natal, Porto Alegre, a cantora Joyce faz questão de se apresentar anualmente no Japão. Seu disco mais recente, Tudo Bonito, foi lançado no mercado japonês no começo de 2000, depois na Europa, EUA e apenas no começo de 2001 no Brasil.
O anterior, Hard Bossa, permanece inédito em terras brasileiras. "Eu encontrei 11 títulos diferentes de meus discos numa única loja no Japão, o que é muito mais do que pode ser encontrado no Brasil", afirma a cantora.
Flora Purim e Edu Lobo também conseguem muito mais reconhecimento por parte do público japonês que do brasileiro. Miúcha, uma das musas do movimento, só foi gravar um disco em 1999, após dez anos longe dos estúdios, porque recebeu incentivo do baterista Kazuo Yoshida para gravar para o mercado japonês.
Um dos fatores que fazem da bossa nova um sucesso no Japão é que o português soa bem aos ouvidos nipônicos. "A sonoridade da língua portuguesa é muito agradável para os japoneses. Eles gostam do som das palavras e apreciam o ritmo e a melodia da música brasileira", afirma Jin Nakahara, diretor do programa Saúde Saudade, da rádio japonesa J-Wave (81,3 MH), o primeiro programa de música brasileira a ser difundido no Japão, no ar há 12 anos.
Claro que os artistas brasileiros não são um fenômeno de vendas como os astros de J-pop, mas vendem em média entre 10 mil e 20 mil cópias de seus discos, o que é considerável dada a diversidade do mercado japonês. No ano passado, por exemplo, dois discos de bossa nova figuravam na lista dos 10 mais vendidos de world music da rede de lojas HMV: a coletânea Fino - Bossa Nova, de vários compositores brasileiros, e Casa, uma parceria do músico japonês Ryuichi Sakamoto com o Quarteto Morelembaum em homenagem a Tom Jobim. No caso de Lisa Ono, a intérprete de bossa nova de maior projeção no Japão, a vendagem pode alcançar mais de 250 mil cópias. Seu disco Bossa Hula Nova esteve em sétimo lugar na lista top ten da HMV em 2001, à frente de grupos japoneses de sucesso como Gospellers, Kinki Kids e Brahman.
Lisa nasceu no Brasil, e mudou-se para o Japão aos 10 anos de idade.
Seu estilo é suave, e mistura bossa nova com música havaiana. A cantora foi criada em meio aos artistas que frequentavam a casa noturna do pai, o japonês Toshiro Ono, na Praça da República, em São Paulo, onde morou durante a infância. "Sempre a deixei no ambiente onde tinha música brasileira", diz o pai, atualmente proprietário do restaurante e casa de shows Saci Pererê, em Tokyo, onde já se apresentaram mais de 300 músicos brasileiros. "Lisa Ono faz um trabalho de divulgação da música brasileira muito importante, pois a leva ao grande público, 90% do qual ainda não conhecia a música brasileira", diz Nakahara.
Do histórico concerto no Carnegie Hall de Nova York, em 1962, para as lojas de discos japonesas, a bossa nova percorreu um caminho interessante. O concerto tornou Tom Jobim, Carlinhos Lyra, João Gilberto, Agostinho dos Santos e Luiz Bonfá famosos internacionalmente. Mais tarde, canções como Garota de Ipanema, Samba de Uma Nota Só, Corcovado, Meditação, Insensatez e Wave integraram o repertório mundial.
À medida que o Brazilian Jazz se tornava conhecido nos EUA, também começava a chamar a atenção dos japoneses. Tanto que, em 1966, o saxofonista Sadao Watanabe lançou o disco Sadao Watanabe Modern Jazz Album - Jazz e Bossa, o primeiro de uma série influenciada pelo estilo que caracterizou sua carreira. Na década de 60, o jazzista Stan Getz foi convidado a tocar no Japão e levou Edu Lobo e Carlinhos Lira. A eles, seguiram-se Sérgio Mendes e Baden Powell. Roberto Menescal também passou a trabalhar com freqüência para o mercado japonês. E a bossa nova crescia, com um público fiel.
"O japonês, mesmo jovem, gosta de música antiga, quando a voz e os instrumentos eram gravados ao mesmo tempo. A atmosfera era diferente. Hoje, gravam os instrumentos separadamente, e isso faz toda diferença no resultado final", diz Kepel Kimura, proprietário da distribuidora La Música Ibero-Americana e editor do jornal MPB Grátis, distribuído nas lojas de discos de Tokyo. Como o público da bossa nova ainda é um tanto especializado e sofisticado, o estilo não alcança as grandes massas, a não ser como trilha musical para anúncios de automóveis e jóias veiculados na televisão japonesa. O avanço é que a música brasileira já não se perde entre os rótulos de world music das lojas de disco, mas ganhou espaço próprio, conquistou um público fiel e virou referência para o universo pop japonês, influenciando vários grupos importantes. O extinto Pizzicato Five, por exemplo, tem um disco chamado Bossa Nova; Monday Michiru, diva do acid jazz, gravou uma homenagem a Florim Purim em seu álbum mais recente; e o United Future Organization, o mais famoso trio de acid jazz do país, chegou a incorporar um visual carioca nos encartes de seus álbuns. Um japonês que tem desempenhado papel fundamental na popularização crescente da música brasileira é Ryuchi Sakamoto. O músico ouvia bossa nova desde criança, e a influência do estilo pode ser notada no seu trabalho. Recentemente, ele gravou Casa, uma homenagem a Tom Jobim gravada com o Morelenbaum 2, e selecionou uma coletânea intitulada Bossa Nova. "O público, mais refinado a cada dia, está saturado de gêneros musicais como o rock e pop", endossa Sakamoto, que é autor de elogiadas trilhas sonoras para filmes como Furyo e O Último Imperador.
Apesar da boa fase, a música brasileira poderia ter maior repercussão se os brasileiros valorizassem mais a própria cultura. "A bossa nova está sumindo por falta de interesse do próprio brasileiro. Enquanto os estrangeiros divulgam nossa música, o brasileiro ouve música americana", diz Francis Silva, responsável por um programa de MPB veiculado na rádio Inter FM (76,1 MH), de Tokyo. Enquanto isso, o Japão fica com o título de país da bossa nova.


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