Nascido na província de Yamaguchi em 1957, Kang Song é da terceira geração de coreanos no Japão. Seus avós foram trazidos em 1910, durante o período expansionista japonês. Seu pai nasceu em 1933 em Hokkaido, como cidadão japonês, mas depois que o Japão perdeu a guerra a situação tomou novos rumos. A ocupação americana que tomou o Japão teve fim com o tratado de São Francisco em 1952. Foi nessa época em que começaram a surgir os problemas causados pela colonização dos países onde o Japão havia se instalado antes e durante a Segunda Guerra mundial. O Japão optou por negar a cidadania japonesa aos descendentes das regiões colonizadas, como os coreanos e taiwaneses. "Meu pai que nasceu no Japão, como cidadão japonês, a partir de 1952, passou repentinamente a estrangeiro", contou Kang. "Não haveria problema nenhum em ser considerado estrangeiro, se a sociedade japonesa não julgasse as pessoas por esse fator, mas na realidade muitos direitos foram negados a esses estrangeiros". As oportunidades de obter uma boa educação, participar de concursos e até mesmo de emprego passaram a ser bastante escassas para os "estrangeiros". Os coreanos nascidos ou residentes no Japão passaram a ser chamados de Chosen-jin. Essa foi a melhor maneira que o governo encontrou de classificá-los já que não foi até 1962 que o governo japonês aceitou oficialmente a existência da Coréia que passou por vários problemas internos, durante a divisão entre norte e sul. "Na época existiam 2 milhões de coreanos vivendo no Japão e o país simplesmente não sabia como classificá-los". Até hoje esse alguns desses coreanos decidiram manter essa falta de nacionalidade como maneira de protesto contra as políticas adotadas pelo Japão. "Eu até hoje o Ministério das Relações Internacionais não reconhece o Chosen que vai nos meus documentos de estrangeiro enquanto uma nacionalidade. É apenas uma classificação que não é exata. Quando eu viaja para o exterior, tenho o problema do passaporte. Não existe um país ou governo que se responsabilize pela emissão de nossos passaportes, nem aqui no Japão e nem na Coréia. Depois de 1965, quando o governo japonês reconheceu o governo coreano, os chosen que aceitaram a cidadania coreana receberam a nacionalidade sem problemas. Alguns, por problemas com a divisão entre norte e sul, ou os que estavam insatisfeitos com a situação optaram por permanecer com a classificação Chosen que havia sido usada pelos japoneses até então". Kang, que até hoje viaja sob o carimbo de stateless, admite que se sente um pouco incomodado quando a pergunta envolve sua nacionalidade. "É muito difícil explicar a nossa situação para pessoas de outros países porque as políticas pós-guerra adotadas pelo Japão foram realmente únicas e sem precedentes". A discriminação que os coreanos residentes no Japão sofreram ao longo dos anos também é uma das questões que quase não chega aos ouvidos do mundo. "A discriminação aberta tem diminuído bastante, mas ainda existe um certo sentimento disfarçado entre as pessoas". Kang lembra de casos pessoais que viveu na época do colégio. Ele fez parte da primeira turma de escolas públicas que aceitou pessoas de outras nacionalidades. "Até então existia uma regra que impedia que prestássemos os exames para entrar nessas escolas", explicou. Mesmo admitindo que a situação tem melhorado bastante, Kang ainda é da geração que viu e viveu momentos de discriminação cotidiana. "Eu jogava no time de basquete do meu colégio, mas quando chegamos às finais, representando a nossa província, me disseram que eu não podia participar, afinal não era cidadão japonês". Embora tenha conseguido estudar na Universidade de Waseda, uma das mais renomadas do país, Kang não pôde realizar o seu sonho profissional que era se tornar professor universitário. "Eu não sabia que na época não aceitavam pessoas de outras nacionalidades nos concursos para professores universitários, quando fui procurar por um outro emprego também notei que muitas portas estavam fechadas para nós", explicou. As 120 escolas coreanas, conhecidas como Chosen Gakko, recentemente passaram a ser reconhecidas. "As crianças que frequentavam essas escolas não tinham direito ao desconto para estudantes que permite que paguem apenas metade do preço das passagens de trem, por exemplo", lembrou. Segundo Kang, a maior parte dos avanços nas políticas japonesas tem acontecido por causa de pressões exteriores e não por uma vontade própria de mudar. "Nós tínhamos a obrigação de portar o gaikokujin tourokusho, carteira de registro como estrangeiro, permanentemente. Eu mesmo fui pego sem o meu algumas vezes. Essa lei esteve em vigor até pouco tempo atrás, lembro que eu estava na faixa dos 20. O Japão não pretendia mudar esse sistema, mas quando passou a ser o último país do mundo a manter um esquema tão racista, a ONU começou a fazer pressão. Os últimos dois países que exigiam o porte de uma identidade permanente a grupos étnicos foram a África do Sul e o Japão". Kang admite que seu interesse por futebol nunca foi muito grande. Seu primeiro encontro com o esporte foi na Copa do Mundo da França em 1998. "Fiquei impressionado com a maneira como a França lida com os problemas de nacionalidade e etnia. O time francês era formado por 23 jogadoras, dos quais 12 eram de origem de outros países. Foi uma aposta que eles fizeram. A direita é claro não aceitava, mas a vitória provou que o sistema republicano adotado pelo país estava dando certo". Foi através dessa discussão que Kang chegou a conclusão de que a Copa do Mundo poderia ser um espaço para intercâmbio e para discutir problemas culturais. "Durante a Copa de 1998 pude ver o quanto os imigrantes, que vieram de colônias na África ajudaram como voluntários e pensei que nós também poderíamos fazer isso durante essa Copa. Esse foi o início do projeto", contou Kang.
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