Minha família era composta de meus pais, 3 irmãs, eu e dois irmãos. As minhas duas irmãs mais velhas nasceram na Ilha da Madeira em Portugal no tempo da segunda guerra. Meu pai imigrou sozinho para a ilha holandesa de Curaçao no caribe, a 20 quilômetros na costa da Venezuela. Ele trabalhava para a Shell Petroleum que era nesta época a maior refinaria de petróleo do mundo. Depois da guerra em 1945 a minha mãe, junto com as minhas irmãs Lita e Analia imigraram para o Curaçao.
Em Curaçao nasceram a minha irmã Ana em 1947, eu Pedro em 1950, meu irmão Carlos em 1951 e o caçula Luiz em fevereiro de 1959.
Nesta época a Shell começou a despedir todos os empregados e começaram a subcontratar o trabalho. Em inglês se chama de
'outsourcing' e isso teve uma tremanda influência no mercado de trabalho na América do Norte nos fins dos anos 80 até agora. Com limite de trabalho em Curaçao, o meu pai decidiu ir para o Brasil e viver no Rio de Janeiro onde ele tinha uma irmã.
A Minha família embarcou no Aruzentina Maru em 5 de Setembro de 1959 imigrando para o Brasil e passamos 21 dias de viagem. A minha irmã mais velha se casou em 1959 e ficou em Curaçao. Ela imigrou para o Brasil em 1961 e viajou de segunda clase com o navio Brasil Maru.
Eu só tinha 8 anos e nunca tinha visto uma pessoa asiática antes. Como a segunda classe estava lotada tivemos que dormir e viver no porão do navio. Éramos um grupo de mais ou menos 25 portugueses ou descendentes como eu. Eu me lembro que tínhamos camarotes para o dormitório, mas os japoneses dormiam num espaço aberto onde só tinha camas, uma em cima da outra.
No primeiro dia o nosso grupo perdeu um relógio, uma carteira e uma jóia. Como estávamos acostumados com a mentalidade européia pensamos que nunca mais iamos ver esses objetos, mas para a surpresa de todos eles estavam na sala do capitão.
Como estávamos vivendo no porão do navio, só tínhamos os mesmos direitos que todas as pesoas da terceira classe tinham, o que criou problemas de diferença de cultura. A comida japonesa, tomar banho em grupos e beber água quente foram algumas dessas diferenças, mas acabamos nos ajustando. Hoje eu adoro a comida japonesa, principalmente Tempura e Teriyaki.
Eu e meu irmão fizemos amigos rápido, principalmente brincando de cowboy e índio. Nós tínhamos um revolver cada um de boa qualidade e quando atirávamos fazia barulho e saia fogo. Os japoneses da nossa idade tinham revolveres baratos de plástico colorido que soltava água. Éramos somente dois contra o resto do navio, mas com o meu revolver parecia que éramos invencíveis. Descobrimos rapidamente que os revolveres baratos tinham a vantagem de nos deijar completamente molhados enquanto que os nossos eram bonitos mais não molhavam ninguém. Tentamos convencer os nossos novos amigos de trocar de revolver. Já que os mais bonitos não ganham guerras. Os meus novos amigos nos mostraram o barco inteiro e parte da cultura japonesa. Por 21 dias o barco era o nosso playground.
Eu não tenho a menor idéia de como a gente se comunicava. Eu não falo o japonês e eles não falavam o português, o paiamento(que é a língua de Curaçao) ou o holandês. Nas minha memória a gente se comunicava na mesma língua o que eu seu que não é possível.
O meu irmão caçula que só tinha 6 meses não parava no camarote. As mães japonesas vinham pegar ele de manhã cedo e entregavam ele de volta para comer e à noite para dormir. Elas adoraram o cabelo loiro dele.
Os japoneses queriam praticar o português conosco, mas eles não sabiam que eu a minha irmã e irmão só falávamos o papiamento (de Curaçao) e o holandês. O nosso português era muito limitado e quando chegamos no Brasil fomos obrigados a ter um curso particular para aprender a falar.
De Curaçao fomos diretamente a Havana de Cuba onde Fidel Castro já tinha fechado os portos. O navio parou a alguns quilômetros do porto e eu me lembro da apreenção de todos até que os oficias cubanos foram ao navio onde mais ou menos uma dúzia de japoneses desembarcaram. Não tenho a mínima idéia do motivo que levou o capitão de Curaçao que fica na costa da Venezuela até Cuba que fica completamente no Norte do Caribe.
Depois fomos para o Recife onde passamos 7 dias desembarcando linhas de trem e ficamos encalhados na saída de Recife e só partimos com a maré alta do dia seguinte. Chegamos no Rio de Janeiro um dia antes de São Cosme e Damião.
A minha irmã mais velha foi a primeira a sair do Brasil com a sua família e imigraram para Montreal no Canadá em 1970, o resto da família a seguiu.
Meu pai foi o único que ficou no Brasil, ele faleceu em 1972. A minha mãe e a minha segunda irmã mais velha faleceram em Montreal há alguns anos.
Eu fiz os meus estudos em francês e inglês. Graduei e
sou formado em Programação de Computadores. Vivo em Toronto e o resto da família vive em Montreal.
Eu fiz muitas viagens e visitei muitos lugares na minha vida. Cada ano eu viajo para o exterior e eu não me lembro da maior parte dessas viagens. O Argentina Maru foi diferente, as imagens, o som e até o cheiro deste navio estarão sempre gravadas na minha memória. Ela me abriu as portas para um mundo e uma cultura que eu não conhecia e que acho
fascinante.
Quando passamos na linha do Equador fizeram a festa traditional e eu me lembro que muitas pessoas tiraram fotos. Se um dos leitores tem fotos do Argentina Maru de setembro de 1959 que mande as fotos para argentina-maru-sep-1959@hotmail.com.
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