Chizuko Tukuda, 89 anos, deixou o Japão em dezembro de 1954. Seu destino era Belterra, que na época era grande produtora de borracha, através do projeto Amazon Kaihatsu. Essa era a segunda viagem do Brasil Maru, que trazia mais de cem famílias como a sua para trabalhar nas palantações de borracha. Após 8 meses em Belterra, uma disputa entre os responsáveis pela nova colônia que se formava acabou dividindo o grupo. Mais de dez famílias, incluindo a de Chizuko se mudaram para Boa Vista em Roraima. Sua chegada foi no dia 13 de setembro de 1955 e desde então, ela já acumulou mais de 50 anos de vida em Boa Vista. Ela acompanhou o crescimento da capital do estado e relembra um pouco dos primórdios.
“Lembro que quando cheguei ao Brasil tinha um sentimento de felicidade. Era a primeira vez que eu fazia uma viagem tão longa” , relembra. Mas essa alegria não durou muito. “Quando chegamos a Belterra achamos que tínhamos sido enganados. Era noite escura. Nos chamaram e nos colocaram num carro aos pedaços. Tínham nos passado mapas com com informações. Tudo mentira. Fomos transportados na caçamba, cuidando para não bater a cabeça nos galhos. Nos instalaram na escola. Várias famílias dividiam cada sala. Lembro que na nossa sala havia umas 6 ou 7 famílias. Nossa bagagem foi transportada em tambores de gás. Um terço das pessoas foi instalada em casas de palha.”
A viagem de Belterra até Manaus foi feita em gaiolas que transportavam gado. De lá um barco os levou até Roraima.
Eles foram instalados em uma região conhecida como Taiano, próxima da capital. “Agora são 90 quilômetros de asfalto e é muito perto, mas na época havia um rio e em tempos de chuva não se podia atravessar. Não havia como tratar dos nossos doentes nem como chegar a cidade para vender nssos produtos. Lembro que uma vez tivemos de transportar uma pessoa doente de bicicleta até o pronto socorro de Boa Vista.”
Ela lembra que os únicos carros na cidade eram um Jeep Willys do governo e o carro do prefeito. Havia um hotel próximo ao aeroporto, que atualmente é um parque.
As 10 famílias que foram para Boa Vista viveram incialmente em um galpão do governo enquanto iam trabalhar na terra que seria sua. Construíram casas de palmeira. Sua família tinha um contrato de cinco anos em Taiano, às margens do Rio Branco, mas a dificuldade de transportar o que plantavam fez com que comprassem uma casa na cidade. Atualmente apenas duas famílias japonesas da época continuam vivendo na região. Duas outras famílias se instalaram lá mais tarde. “Não havia ponte na época para atravessar o rio”, conta.
A ração que eles recebiam que consistia de pão, feijão, arroz e carne também não ajudava muito na adaptação. “Nos fazia muita falta as verduras. Experimentei fazer tsukemono de manga verde e kanten de mamão”, conta.
Seis anos mais tarde, instalados na cidade, a família começou um negócio próprio. Inicialmente começaram uma loja de produtos alimentícios, mas atualmente vendem eletro-domésticos e outros produtos. “Não penso mais em voltar ao Japão. Lá só tenho sobrinhos. Me contento assistindo aos programas da NHK e conversando com minhas amigas.” Além disso, Chizuko participa de várias coletâneas de haiku, fazendo viagens com o grupo de São Paulo do qual faz parte, em busca de inspiração.
Como muitas das famílias que vieram para o Brasil na época, Chizuko nunca tinha trabalhado como agricultora. “Eu queria que meus filhos saíssem para cidades grandes, mas acabaram ficando e agora trabalham juntos na loja”.
“Meu marido queria ser pintor”, conta ela mostrando as inúmeras telas pela casa. O casamento dos dois aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial. “Minha família era contra a nossa vinda. Achavam que podeíamos viver bem no Japão. Diziam para que não nos metessemos no meio da floresta com rios e jacarés. Meus pais tentaram até me impedir”, conta sem arrependimento. “Eu era jovem e pensava que se não gostasse poderia simplesmente voltar. Eles disseram que poderia ser tarde demais, que talvez eu morresse. Às vezes penso na minha vida e não sei bem”, acabou admitindo.
“Meu tio era dono de uma loja de material escolar em uma universidade e me ofereceu esse negócio, na época. Agora meu primo que ficou com a loja já tem três lojas”.
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